O
14 de julho de 1789 é marcado pelo que até hoje é conhecida como a Queda da
Bastilha. Uma fortaleza medieval utilizada como prisão foi posta abaixo depois
de libertados seus poucos prisioneiros, apenas sete para ser mais preciso. O
povo oprimido pelo reinado de Luiz XVI derrubou com as mãos, tijolo a tijolo, a
antes inexpugnável construção como símbolo maior da Revolução Francesa, que
viria a mudar os rumos de nossa história. Não bastou só a deposição do Rei, o
fim de uma era de exploração e julgo, era preciso também destruir o símbolo
maior do absolutismo. Exatos dois séculos mais tarde, em 1989, telespectadores
do mundo todo assistiram o povo ‘armado’ com pás e picaretas derrubarem outro
“castelo”, o muro de Berlim, que simbolizava a divisão entre o capitalismo
norte-americano e socialismo soviético. Não bastou a Perestroika (reconstrução
em russo), o fim da Guerra Fria, era preciso destruir o símbolo maior da
divisão mundial.
Os
dois exemplos servem para ilustrar que não adianta acabar com a ‘coisa’, com as
ideologias hereditárias é preciso também destruir o seu símbolo maior, pois
poucas pessoas sabem quem foi Robespierre ou Gorbachev, mas todos se lembrarão ad infinitum da Queda da Bastilha e do
Muro de Berlim.
Penso
que valores morais ou éticos seja como um conjunto de ideias que cada um vai
cunhando na tábua da alma ao longo da vida. Deve funcionar como leis, que não
podem, ou não devem, ser mudadas, alteradas sob pena de se perder a auto coesão
ideológica. Sendo assim, se elejo, cunho na minha tábua ser um defensor
intransigente da verdade, por exemplo, logo, e por consequência, me torno um
inimigo da hipocrisia. E como tal, não posso e não devo deixar de pé ‘castelos’
onde ela possa se refugiar, pelo contrário, assim como a Bastilha e o Muro de
Berlim, devo pô-los abaixo e que isso possa servir como símbolo maior de minha
luta em defesa da verdade.
É
incrível que, em pleno século XXI, o tão esperado pelos visionários de plantão
desde séculos imemoriáveis, ainda deixemos imolados castelos de hipocrisia
construídos sob a égide de uma pseudoverdade. A família é certamente um destes
castelos. Pessoas de fora e mesmo os de dentro desses castelos, quando fecham
os olhos para o que de pior pode estar se escondendo dentro de suas masmorras,
não percebem, ou não querem perceber, que apenas alimentam alguns parasitas de
um monstro ainda maior, mais perverso.
Enquanto
fecharmos os olhos para o abuso sexual, para o incesto, para a violência
doméstica, para a infidelidade coronelista - aquela em que o “chefe” da família
se acha no direito de ter outras famílias, quantas ele puder “sustentar” -, e
em nome de uma falsa estabilidade parental, em nome de uma união carrasca,
torpe, que aprisiona almas em círculos de silêncio, dor e vergonha…enquanto
alimentarmos esses monstros dentro deste castelo que chamamos de família,
enquanto não vermos que o que entendíamos por família mudou tanto que bem
poderia já se ter inventado outro verbete para este novo grupo de
indivíduos…podemos até combater a ‘coisa’, mas não vamos expurga-la de nossas
vidas, de nossa sociedade.
É
preciso ter coragem para enfrentar certos dogmas sociais, mas pouca gente
consegue mensurar a força, o sacrifício que fazem para mantê-los intocáveis,
inexpugnáveis, invioláveis. As vezes precisamos desprender muito mais energia
para esconder do que para revelar, para suportar do que para se opor, para
calar do que para gritar, para engolir do que para cuspir…muita das vezes o que
faz a diferença é só buscar no âmago de quem somos, de quem nos propusemos ser
aquela tábua de nossos valores mais profundos, mais arraigados, aqueles que ao
cunhá-los fizemos uma verdadeira vala e mostrarmos para nós mesmos, e cobrarmos
de nós mesmos…e, sinceramente, que se dane se a palavra resiliência está na
moda, é preciso não lidar com os problemas, mas combatê-lo de frente; não
adaptar-se, mas enrijecer-se se a mudança for para pior; não resistir, mas
persistir e suplantar; e, por fim, não apenas superar obstáculos, os ditos
castelos, mas destruí-los por completo, reduzi-los a pó.
Por Cristian Menezes – 8/05/2019

Nenhum comentário:
Postar um comentário