quarta-feira, abril 8

Ensaio: Destruindo Castelos



O 14 de julho de 1789 é marcado pelo que até hoje é conhecida como a Queda da Bastilha. Uma fortaleza medieval utilizada como prisão foi posta abaixo depois de libertados seus poucos prisioneiros, apenas sete para ser mais preciso. O povo oprimido pelo reinado de Luiz XVI derrubou com as mãos, tijolo a tijolo, a antes inexpugnável construção como símbolo maior da Revolução Francesa, que viria a mudar os rumos de nossa história. Não bastou só a deposição do Rei, o fim de uma era de exploração e julgo, era preciso também destruir o símbolo maior do absolutismo. Exatos dois séculos mais tarde, em 1989, telespectadores do mundo todo assistiram o povo ‘armado’ com pás e picaretas derrubarem outro “castelo”, o muro de Berlim, que simbolizava a divisão entre o capitalismo norte-americano e socialismo soviético. Não bastou a Perestroika (reconstrução em russo), o fim da Guerra Fria, era preciso destruir o símbolo maior da divisão mundial.
Os dois exemplos servem para ilustrar que não adianta acabar com a ‘coisa’, com as ideologias hereditárias é preciso também destruir o seu símbolo maior, pois poucas pessoas sabem quem foi Robespierre ou Gorbachev, mas todos se lembrarão ad infinitum da Queda da Bastilha e do Muro de Berlim.
Penso que valores morais ou éticos seja como um conjunto de ideias que cada um vai cunhando na tábua da alma ao longo da vida. Deve funcionar como leis, que não podem, ou não devem, ser mudadas, alteradas sob pena de se perder a auto coesão ideológica. Sendo assim, se elejo, cunho na minha tábua ser um defensor intransigente da verdade, por exemplo, logo, e por consequência, me torno um inimigo da hipocrisia. E como tal, não posso e não devo deixar de pé ‘castelos’ onde ela possa se refugiar, pelo contrário, assim como a Bastilha e o Muro de Berlim, devo pô-los abaixo e que isso possa servir como símbolo maior de minha luta em defesa da verdade.
É incrível que, em pleno século XXI, o tão esperado pelos visionários de plantão desde séculos imemoriáveis, ainda deixemos imolados castelos de hipocrisia construídos sob a égide de uma pseudoverdade. A família é certamente um destes castelos. Pessoas de fora e mesmo os de dentro desses castelos, quando fecham os olhos para o que de pior pode estar se escondendo dentro de suas masmorras, não percebem, ou não querem perceber, que apenas alimentam alguns parasitas de um monstro ainda maior, mais perverso.
Enquanto fecharmos os olhos para o abuso sexual, para o incesto, para a violência doméstica, para a infidelidade coronelista - aquela em que o “chefe” da família se acha no direito de ter outras famílias, quantas ele puder “sustentar” -, e em nome de uma falsa estabilidade parental, em nome de uma união carrasca, torpe, que aprisiona almas em círculos de silêncio, dor e vergonha…enquanto alimentarmos esses monstros dentro deste castelo que chamamos de família, enquanto não vermos que o que entendíamos por família mudou tanto que bem poderia já se ter inventado outro verbete para este novo grupo de indivíduos…podemos até combater a ‘coisa’, mas não vamos expurga-la de nossas vidas, de nossa sociedade.
É preciso ter coragem para enfrentar certos dogmas sociais, mas pouca gente consegue mensurar a força, o sacrifício que fazem para mantê-los intocáveis, inexpugnáveis, invioláveis. As vezes precisamos desprender muito mais energia para esconder do que para revelar, para suportar do que para se opor, para calar do que para gritar, para engolir do que para cuspir…muita das vezes o que faz a diferença é só buscar no âmago de quem somos, de quem nos propusemos ser aquela tábua de nossos valores mais profundos, mais arraigados, aqueles que ao cunhá-los fizemos uma verdadeira vala e mostrarmos para nós mesmos, e cobrarmos de nós mesmos…e, sinceramente, que se dane se a palavra resiliência está na moda, é preciso não lidar com os problemas, mas combatê-lo de frente; não adaptar-se, mas enrijecer-se se a mudança for para pior; não resistir, mas persistir e suplantar; e, por fim, não apenas superar obstáculos, os ditos castelos, mas destruí-los por completo, reduzi-los a pó.

Por Cristian Menezes – 8/05/2019

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