Quando
era mais jovem tinha um sonho recorrente, que costumava chamar de “um sonho de
liberdade”. No sonho, abria os olhos e estava no alto de uma montanha bem
diante de um maravilhoso pôr-do-sol, com céu límpido e resplandecente. De
braços abertos, via uma águia enorme planar sobre mim e depois voar rumo ao
pôr-do-sol. Sua plumagem era negra e cintilante, com penas brancas na cabeça e
ao redor do pescoço. Emitia um grito, um assobio agudo e marcante. Ai eu
fechava os olhos e não estava mais em pé na montanha. Eu era o pássaro. Podia
sentir o vento sob minhas asas e o calor aconchegante do sol sobre elas. Voava, e ao voar podia sentir o vento batendo
na minha cara e entrando nas minhas narinas. É como se as horas não passassem e
tudo me fosse permitido, até não fazer nada. Não precisava mais falar, ler,
acordar, dormir, pensar, estudar…sequer trabalhar para prover meu próprio
sustento eu precisava. Naquele momento me sentia livre, livre como nunca, o ser
mais livre do universo.
Mas
certa vez esse sonho mudou, e mudou para sempre. Nele, abria os olhos e não via
mais o pássaro pairando no ar. Estava sozinho na montanha. Quando fechava os
olhos, não me sentia pássaro, mas eu mesmo, simplesmente eu, maravilhosamente
HU-MA-NO. E como tal, pela primeira vez na vida, entendi o que REALMENTE é ser
livre.
Percebi
que como humano também podia voar, de diversas formas diferentes e em todas as
direções que quisesse - não só em mergulhos velozes como as águias, ou para
frente e para trás como o beija-flor -. E como humano podia não só voar, mas
também andar – de pés, sobre uma roda, duas, quatro…quantas rodas quisesse…sobre
trilhos, lâminas, pranchas. Apesar de ter pés, andar para os pássaros é improvável,
frágil, fatídico.
Como
humano, além de voar e andar, podia saltar, rolar, mergulhar, sim, mergulhar,
pois como pássaro, apesar da capacidade de produzir uma substancia para
impermear as penas, seus mergulhos, restritos a apenas algumas espécies, são
rápidos, sincrônicos…como humano, nem o céu, nem o chão, nem as águas eram
limites, poderia chegar à lua, a profundezas abissais.
Os
pássaros revestem-se de lindas e coloridas penas e podem atém trocá-las de
quando em quando, mas sempre pelas mesmas penas e pelas mesmas cores conforme seu
gênero, família e ordem. Também conforme sua ordem, família e gênero é o seu
canto, e, por mais maravilhoso que seja, é sempre o mesmo, no mesmo tom. Como
humano poderia vestir-me como quisesse, com as cores que escolhesse…vestia
calça, camiseta, camisa, terno, paletó, saia, vestido, pijama…de cores iguais,
diferentes, multicores, se quisesse, sequer me vestiria, sairia assim, na pele,
“no pelo” mesmo. Cantava, e cantava alto, baixo, em diversos tons, gritava,
gemia, e mais, tocava, dançava e sapateava… como humano independo de taxonomia
que me classifique…crio e me recrio ao meu bel prazer.
O
que sentia como pássaro e que confundia com liberdade, era, na verdade, de um
niilismo intoxicante. Poder não fazer nada, é não ter nada para fazer. Como não
tenho nada para fazer, se posso fazer tudo e mais um pouco, mais do que
qualquer outro ser da Terra? E de tudo que posso fazer meu único limite é o
tempo que tenho para fazê-lo. Portanto, o tempo, os anos, os dias, as horas são
importantes para minhas realizações. Preciso, sim, me organizar, me preparar,
me formar, me informar…para crescer, engrandecer, contribuir, retribuir…para ser
HUMANO.
E
quanto ao meu sonho…bom, descobri que não era “um sonho DE liberdade”, mas “um
sonho SOBRE liberdade”.
Por Cristian Menezes em 6/2018

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