Não se engane. A ciência
como a conhecemos hoje nasceu para tornar-nos humanos longevos e não humanos
melhores. Há, aparentemente, um paradoxo entre qualidade de vida e longevidade.
Holisticamente falando, qualidade de vida tem a ver com convivência, coexistência,
ética, meio ambiente, ecologia, sustentabilidade e tanto outros aspectos da “vida
humana” que não constam, necessariamente, do vocabulário científico.
Talvez o problema não esteja
propriamente na ciência, mas na visão que foi construída dela ao longo dos
tempos. Os egípcios mumificavam seus faraós para que eles chegassem ao outro mundo,
no mundo dos mortos, onde viveriam para sempre com suas pompas e dotes físicos
e/ou intelectuais intactos. Os alquimistas, na busca pelo elixir da vida eterna,
desenvolveram, por acidente, fórmulas que no futuro se transmutariam em
eficazes medicamentos. Mesmo os físicos, em sua luta secreta e obstinada pelo
que viria a se chamar medicina, visavam a cura para os males que à época
afligiam a humanidade, menos para tornar o homem mais humano, mas mais para
torna-lo supra-humano, imortal, por assim dizer.
Esperamos da ciência a cura,
o “conserto” para nossos defeitos morais, para nossa ganância, nosso
individualismo, nossa mediocridade, nossa pequenez, nosso niilismo travestido
de ideologia capitalista…, mas a ciência não está aí para isso. Pensamos que como
ela nos fez chegar à lua, decifrar o código genético, produzir a Dolly,
reconstituir tecidos, transplantar órgãos, gerar energia do núcleo de uma
célula…poderia, também ou à medida em que, nos transportar a mundos subjetivos
dentro de nós mesmo, nos decifrar, nos reproduzir melhores, reconstituir nossos
significados, transplantar nossas esperanças, gerar uma energia do âmago de
nossos desejos mais sombrios que acendesse em nós uma chama perene de
altruísmo…mas a ciência nunca serviu a isso, não serve a isso e talvez nunca
venha a servir a isso.
Aquilo que a ciência produz,
nem sempre nos torna melhores e, por vezes, e não raras vezes empobrece nosso
espirito e afronta nossas melhores expectativas. Os meios de que abre mão para
chegar a determinados fins nem sempre são justificados, e mesmo o fim a que se
chega é garantia de sucesso, pois aqui, numa espécie de limbo ético em que se
colocou ou colocaram a ciência, longe dos olhos críticos de uma lisura
pragmática, apofântica, sucesso sequer é, necessariamente, sinônimo de júbilo,
prosperidade, esperança, proficuidade.
A ciência é imanente. Cria
ferramentas, mas não escolhe quem as usará nem como, a ciência facilita a
existência, mas não impõe a quem a existência será facilitada, a ciência busca,
mas não se sabe bem o que, para quem ou mesmo quando. Como panteões do
conhecimento, oráculos de um futuro somente imaginável nos prostramos e reverenciamos
aqueles que fazem a ciência, como se fossem eles mestres de uma sabedoria
superior, atemporal, metafisica, quando, na verdade, por debaixo dos jalecos alvos
tremulam apenas mais de nós mesmos, seres temerosos pelo porvir, decepcionados
pela incongruência entre o muito que pensam saber e o infinito do que têm
certeza que há, que, se em algo diferem
de nós, não-cientistas, é apenas em não aceitar, não se submeter e até
indignar-se ao irremediável e incontestável fato de sermos apenas o que somos:
humanos demasiado humanos.
Por Cristian Menezes em 10/2018
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