terça-feira, novembro 13

De Pilha para Pilha


Duas pilhas AA, uma comum, das “amarelinhas” e outra bateria de longa duração conversam sobre suas vidas úteis.
- Oi, como vai sua vida útil? Indagou, cheia de soberba, a AA-Bateria.
- Vou levando, como o meu dono quer! Respondeu, humildemente, a AA Amarelinha. Parece que, como sempre, anda cheia de energia ainda, não é? Toda lustrosa e sem sinais de ferrugem…
- Claro, minha querida Amarelinha. Só sou usada com parcimônia e geralmente em produtos que requerem pouco o meu uso, como, por exemplo, o depilador de minha dona. Pena que não possa falar o mesmo de você! O que tens feito, a que e com quem tens dispensado toda tua parca energia amiga?
- Bom. Ponderou a AA amarelinha. Como sei que minha vida útil não é grande coisa mesmo, grande coisa não poderia esperar de quem me usa, muito menos para que. Aliás, tenho me desgastado em dobro, pois à noite sou usada em um radinho de pilha que serve de companhia, a única se bem me lembro, para um senhorzinho que passa o dia catando lixo pelas ruas para garantir o sustento dele e do neto que ele cuida desde que nasceu e durante o dia, às vezes, ele, o netinho, vem, me arranca e me coloca em um ioiô com leds coloridos, presente do avô catado pelas ruas.
- Que vida útil horrível querida Amarelinha!!! Exclamou a AA-Bateria, meio que tripudiando da “amiga”.
Ah! Amiga Bateria, acho realmente que não! Respondeu a AA Amarelinha. Acho que o segredo de tornar nossa vida últil realmente útil é justamente em não pensarmos em nós, em nossa vida útil, mas a quem e para que doamos nossa energia. A mim, parece que só assim nossa vida útil faz algum sentido, do contrário somos só pilhas sendo usada e descartadas aos milhares, aos milhões todos os dias.
Sabe outra coisa? Continuou a Amarelinha. Percebemos como nossa energia está sendo bem utilizada pela importância que aqueles que nos usam nos dá. Meu velho dono, por exemplo, nunca adormece sem desligar o radinho, mesmo quando o fardo da labuta lhe pesa por demais. Confidencia ele: “Preciso poupar minha pilhinha para amanhã”. O netinho também. Sempre que de mansinho me tira do rádio e me coloca, com cuidado, no ioiô abre um enorme sorriso. E sempre que me tira do ioiô para me devolver ao rádio do avô carinhosamente me limpa com a barra da camiseta surrada e me olha como que agradecendo por aqueles minutos de diversão.
Isso realmente faz da minha vida útil uma vida útil, pois cada minuto, cada segundo de energia que desprende de mim sei que é para fazer alguém se sentir bem, feliz ou pelo menos acalantada. Se tenho um resquício de inveja de ser uma AA-Bateria como você é só porque se o fosse, imagina quantas horas, dias não teria para me doar a essas pessoas que de minha energia tanto necessitam.
A AA-Bateria emudeceu diante dos “devaneios” da AA Amarelinha, um pouco por inveja da eloquência dela, certamente adquirida pelas horas ouvindo músicas e apresentadores, um pouco por, ao ouvir a Amarelinha, passava-se um filme no pensamento dela sobre a quem e como gastou sua energia por quase toda sua vida útil.
Para piorar, a AA-Bateria ao deixar a companhia da AA Amarelinha deparou-se com nada menos que uma AA Recarregável. Toda garbosa, presunçosa e indiferente, típico das AA Recarregáveis, sequer notou a presença da AA-Bateria.
- Mestra, senhora AA Recarregável, posso lhe fazer uma pergunta? Disse, a agora humilde AA Bateria.
Recebendo apenas o silêncio como afirmação, a AA Bateria continuou.
_ Acabei de ter uma conversa com uma amiga que me deixou muito confusa, até mesmo triste e pensativa. Por favor me diga, quem e para que usam tua energia eterna. Vale a pena tua vida útil?
Depois de algum tempo de silencio, a AA Recarregável respondeu.
- Antes de tudo, frágil AA Bateria, quem diz que sou eterna és tu. Algo nunca provado, pois normalmente sou perdida, doada, abandonada antes que chegue o meu fim, coisa que de certo deve haver, pois tudo no mundo é finito. Sobre quem me usa, pouco sei, já que pouco me usa e sobre para que ou em que sou usada muito menos, já que passo pouco tempo dentro de algum aparelho e logo sou posta de volta no meu carregador, que, aliás, se sou dependente é mais dele do que de alguém.
Sobre minha vida útil, só posso concluir que é diretamente proporcional ao que valho. Custo muito, portanto poucos me possuem e os que possuem pouco me usam. Os que possuem pilhas como eu cuidam bem, muito bem delas, não por aquilo a que servem ou a que sirvo, a que dedico minha energia, mas simplesmente por custar muito.
Para lhe dizer bem a verdade, e que fique entre nós, pilhas da parte de cima da prateleira, se sinto algo nessa minha vida de Recarregável é inveja das amarelinhas lá debaixo da prateleira. Elas sim têm uma vida útil útil de verdade. Não duram muito, é verdade, mas sua pouca duração, sua parca energia é gasta geralmente por quem realmente precisa delas e em algo que para eles fazem uma grande diferença.
- Espero que tenha sido útil! Despediu-se a AA Recarregável da AA Bateria.


Por Cristian Menezes em 11/2018

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