Presente
de grego é uma referência ao último dos dez anos da famosa Guerra de Troia
narrada no poema Íliada, de Homero, em que o rei espartano Menelau destacou
grande exército, com grandes guerreiros, entre eles o semideus Aquiles e
Ulisses, o rei de Ítaca, das ilhas gregas até Troia no intuito de resgatar sua
esposa Helena “raptada” por Páris, irmão de Heitor, filhos de Príamo. Sem
conseguir penetrar os muros de Troia, um estratagema foi arquitetado por
Ulisses: todo o exército de Menelau se retirou deixando apenas um enorme cavalo feito com a madeira das embarcações como
presente dos gregos aos troianos por “vencerem” a guerra pela desistência do
adversário. O “Cavalo de Troia”, como ficou eternizado, estava recheado com os
melhores guerreiros gregos, que aguardaram os troianos adormecerem depois de se
embriagarem no afã da “festa da vitória” para sair de dentro do cavalo, abrir
os portões e aniquilar toda a cidade, fazendo das mulheres e crianças escravos.
Dito
isto, o arrependimento pode ser comparado a um presente de grego, um “Cavalo de
Troia” dado à nossa consciência. Presente porque nos é dado, mas como o
ardiloso mimo de Menelau, mais para ferir, trazer prejuízo que para alegrar. É
o tipo de sentimento que ninguém gostaria de ter, e não o teria não fosse
empurrado goela abaixo. É a dor por algo que já aconteceu, que já foi feito,
portanto, irremediável. O arrependimento rompe os portões intransponíveis de
nosso inconsciente e adentra a cidadela de nossa consciência para nos dizer o
quão errado fomos, o quão injustos, o quão sediciosamente imorais podemos ter
sido em algum momento e que, graças ao Cavalo de Troia, ecoará
em nós para o resto de nossas vidas, lancinando nossas mentes, nossos corações ad infinitum, como, já que falamos em
mitologia grega, o próprio Prometeu, acorrentado ao monte Cáucaso, condenado por
Zeus a ter o fígado dilacerado todos os dias por uma águia e todos os dias
regenerado para novamente ser rasgado.
O
tamanho da tortura que pode nos causar nosso “presente de grego” é direta e
diametralmente proporcional a dor impingida pelos nossos atos. Sofremos tanto o
quanto fizemos sofrer e, às vezes, sofremos em dobro, pela dor que causamos ao
outro e pela dor do arrependimento. E ainda há quem suscite uma verborrágica
didática no arrependimento: o arrependimento vem para nos ensinar a não repetir
os mesmos erros no futuro. Balela. Erramos de novo e novamente e o tal do
“Cavalo de Troia” só cresce, passa de um pequeno Pônei a um imponente Shire.
Podemos até aprender com nossos erros, mas didaticamente falando, o
arrependimento está para o crescimento espiritual assim como a palmatória está
para a educação tradicional: aprender pode até aprender, mas que dói, dói, e
dói pra caramba. Nestes termos sou a favor de uma didática mais contemporânea,
reflexiva, de ponderações.
Outra comparação que
cabe aqui entre o presente dos gregos aos troianos e os cavalos de Troia que
nos presenteamos ao longo de nossa existência é o final infeliz declamado por
Homero. Lá, na Grécia do século XII ou XIII a.C., a guerra foi o crepúsculo de
dois grandes heróis, Heitor, morto por Aquiles em vingança pela morte do primo
Pátroclo, e o próprio Aquiles, abatido por uma flechada certeira disparada por
Páris em seu calcanhar, único ponto vulnerável do semideus, cujos feitos foram
cantados por poetas por séculos seguidos. Aqui, na nossa própria história, um
único herói perde a vida, nós mesmos. O arrependimento por algo terrível que
fizemos mata o herói, no sentido grego da palavra, o ser honrado, honesto, de
altos padrões morais e éticos, o melhor de nós que poderíamos ter sido não
tivéssemos errado tão patentemente. E o herói dentro de nós morre como o herói
grego Aquiles, atingido em nosso ponto vulnerável, o nosso ponto mais frágil…o
coração.
Por Cristian Menezes - 7/2020

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