quarta-feira, abril 8

Poesia: Por favor, me deixem ir...



A todos que me prezam e os que desprezam, em silêncio, aos poucos que me amam, e aos que nem tanto, aos que cuidei, e aos que descuidei também...só lhes peço uma coisa: me deixem ir quando a minha hora chegar.
Não me tirem o colorido da vida, ofuscando minha visão com a palidez de um quarto branco; não me ensurdeçam com o bip de máquinas, tirando-me o prazer de ouvir uma boa música, as palavras de quem gosto de escutar e dos que não gosto também, estarão me privando de minha máxima predileta, “melhor ouvir isso do que ser surdo!”;
Não turvem meu olhar com drogas licitas, estarão tirando o prazer que tenho de inebriá-lo com as ilícitas, de viajar só observando o mundo a minha volta, as pessoas e suas loucuras, as loucuras e suas pessoas;
Não deixem minhas mãos atadas a tubos frios, debaixo de cobertores quentes, quero apertar uma mão, qualquer mão que se achegue à minha, nessas horas acho que pouco importa, qualquer mão é uma mão amiga, não há, como para Buarque, “distância entre intenção e gesto”, só gesto cheio de intenção;
Por fim, não tirem, rogo-lhes, o prazer sem igual do sabor das coisas, de todas as coisas, das pequenas coisas, quero sentir, nem que pela última vez, o doce sabor da água tocando meus lábios, não é só água, acredite-me, nunca é só água, é toda uma sensação maravilhosa que vem junto, lembranças e sonhos, a saliva depois de um bom prato, o transbordo de um bom copo, o fluido de outras bocas, o porvir de outros desejos;
Não se deixe enganar, quando a hora chegar, pelo meu semblante sôfrego, estarei feliz se assim o for; minha respiração não estará se esgotando, mas se enchendo de outros ares;
Meus lábios não emudeceram, apenas me cansei de falar dos defeitos dos outros e estarei pensando nos meus;
Meus punhos não se cerraram por impotência, cerrei-os propositadamente para entrar em outro lugar socando o ar como faz o campeão no pódio;
Por fim, quando cerrar os olhos, não pense que eles estarão se fechando para a vida, pesados de todas as injustiças e tristezas que viu, estão apenas, condescendentemente, acenando para todos com um “até logo!”, “em breve nos veremos novamente”.

* Para minha mãe-avó Flora, com saudades

Por Cristian Menezes

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