quarta-feira, abril 8

Artigo: Fé e razão, tão perto e tão longe



Para eu, reles mortal e observador do mundo, a diferença entre Fé e Razão nunca esteve tão gritante desde julho de 1789, auge da Revolução Francesa. Tomando como ponto de partida o pensamento do americano H.L. Menvhekn de que fé é “uma crença ilógica naquilo que não se pode provar”, e a do filósofo Pascal de que razão seja “a consciência intelectual e moral da percepção das coisas” surgiu um paradoxo na minha cabeça com os últimos acontecimentos no País.
Primeiro temos o caso João de Deus. Um monstro com a alcunha de “de Deus” flagrado com armas, 50 milhões de reais em dinheiro em malas e bancos, 1,6 milhão de reais em pedras preciosas escondidas em diversas propriedades e inimagináveis 40 anos de prática da “fé” que estão resultando em cerca 6oo relatos de abusos sexuais recebidos pela Promotoria de Goiás, sendo que destes pelo menos 255 considerados de supostas vítimas, destas, 23 tinham entre 9 e 14 anos na ocasião dos fatos,  28 entre 15 e 18 anos, e 70 com idade de 19 a 67 anos, entre elas, a própria filha que teria sido abusada desde os 10 anos de idade. Para tentar se livrar das grades contratou um dos mais requisitados, e caros, advogados criminalistas do País, Alberto Toron.
Do outro lado da lâmina que lacera até a mais profunda fé, os relatos vergonhosos de abusos sexuais de crianças, adolescentes e, agora, freiras de uma Igreja que, em nome de Deus, vem há décadas acobertando toda essa promiscuidade fazendo jorrar rios de dólares, euro, franco suíço, reais entre outas moedas de várias nações que, fraternalmente, abriram suas portas ao cristianismo católico e toda sua sordidez. Vemos um Papa, o Bento XVI, acuado, porém resignado em fazer alguma coisa, mas pressionado e, logicamente, temeroso por, depois de todos os esforços para tentar uma “limpeza” ética-moral na Milenar Congregação, acabe como tantos outros que o antecederam, que por bem menos que isso amanheceram espumando pela boca e tendo espasmos simples e comodamente diagnosticados como parada cardíaca, mais uma.
Agora imaginemos uma notícia hipotética, uma notícia fake como chamamos. Um restaurante famoso e com décadas de tradição é autuado pela Vigilância Sanitária depois que agentes de saúde descobrem que o principal ingrediente dos cozinheiros, o “tempero secreto” era, nada mais nada menos, que sêmen desidratado dos próprios metres. E o dono sabia, mas como o movimento era grande, sempre fez vistas-grossas para o tempero exótico. “Ecaaaaa” diria um frequentador do restaurante, que jura de pés juntos nunca pô-los mais naquele lugar “nojento”. O desenrolar do caso é demissão em massa, fechamento do estabelecimento, funcionários e proprietário indiciados por algum tipo de crime e por fim alguns deles sendo conduzidos para a cadeia.
Agora, numa comparação absurda, vejamos. Por que que no caso do restaurante os fregueses ao tomarem conhecimento dos “abusos” dos chefes se revoltam e, de cara, abandonam o estabelecimento e no caso do João e da Igreja os “salões” continuam legalmente abertos e lotados? Por que os envolvidos diretamente, no caso os cozinheiros, são punidos com demissão imediata e sansões legais, e no caso do João e da Igreja tudo continua como sempre, aquele bando de gente vestindo o branco da pureza com terços nas mãos e almas maculadas e negras, manchadas pela culpa do silêncio, da omissão? Por que que no caso do restaurante, o proprietário tem observado sua parcela de culpa na atitude de seus subalternos mesmo sem um envolvimento direto, e no caso do João e da Igreja, o Chefe Maior, Ele, não é sequer cogitado como sendo, pelo menos, corresponsável por nada? Ninguém sequer questiona “como Ele pôde permitir isso?”
Pois eu questiono. Como Ele pôde permitir isso? Tamanha atrocidade com tanta gente inocente e em nome Dele, dentro da Casa Dele? Um atentado contra uma pessoa feita por um clérigo, uma “pessoa de Deus” é infinitamente pior do que o mesmo atentado feito por um ‘mundano’, um laico. É como um assassinato cometido por um morador de rua analfabeto e um assassinato cometido por um advogado. O advogado é muito mais culpado que o mendigo, porque este sabia exatamente a extensão de seus atos e suas punições, aquele não. Um estupro praticado fora dos muros de uma instituição religiosa machuca o corpo e fere a alma da vítima. Mas um abuso praticado dentro destes mesmos muros, em que se acredita serem oásis no deserto de toda maldade do mundo, destrói o corpo e mata a alma, pois arranca de dentro do peito a única coisa que faz com que o ser humano possa superar tamanha crueldade: a esperança.
“Usava de forças do bem para fazer o mal”, li numa reportagem de uma respeitada revista de circulação nacional, uma argumentação defensiva no caso do João. “Eles são tirados de suas igrejas, do convívio com seu ‘rebanho’ e são banidos para lugares distantes”, argumenta o Alto Clero. Lugares distantes? Distante de onde, de que, de quem? Distante das grandes capitais? Quer dizer que os padre pedófilos que abusaram de crianças e adolescentes em São Paulo, Rio de Janeiro são enviados para, sei lá, Rondônia? Ji-Paraná, talvez? E por que cargas d’água isso vai resolver alguma coisa? Aqui não tem crianças e adolescentes suscetíveis ao ataque destes monstros? Ou pensam eles, os magnatas de bata, que a pedofilia está ligada ao clima, à posição geográfica com relação à Linha do Equador? Ao fuso horário? Estupra em Belo Horizonte, mas não estupra em Ji-Paraná porque o clima não favorece? Sinceramente…valha-me Deus…


Por Cristian Menezes – 12/03/2019

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