quarta-feira, outubro 18

FILOSOFIA

O Sagrado e o Profano


Exposição "Corpo Humano: Real e Fascinante"

Há alguns anos a exposição "Corpo Humano: Real e Fascinante" gerou curiosidade e polêmica no Brasil ao apresentar uma série de corpos humanos dissecados, polimerizados e exibidos como "obra de arte". Além do impressionante aspecto estético das peças expostas, os organizadores do evento exaltavam seu caráter científico e até educativo. Afinal, do ponto de vista fisiológico, a mostra era equivalente a uma verdadeira aula de anatomia. Em todo caso, a controvérsia que se in Há alguns anos a exposição "Corpo Humano: Real e Fascinante" gerou curiosidade e polêmica no Brasil ao apresentar uma série de corpos humanos dissecados, polimerizados e exibidos como "obra de arte". Além do impressionante aspecto estético das peças expostas, os organizadores do evento exaltavam seu caráter científico e até educativo. Afinal, do ponto de vista fisiológico, a mostra era equivalente a uma verdadeira aula de anatomia. Em todo caso, a controvérsia que se instaurou em torno da exposição dizia respeito às questões éticas envolvidas na obtenção e no tratamento dos corpos - provenientes da China -, bem como na suposta introdução de drogas e substâncias químicas antes mesmo de consumada a morte do indivíduo - o que representaria uma grave afronta aos direitos humanos. O exemplo singular nos convida a traçar uma breve história do corpo, desde os antigos gregos até os dias atuais, refletindo sobre a relação entre o físico e a consciência com base em fenômenos recentes como, por exemplo, o da stripper Dita von Teese, tema da reportagem de VEJA.  

O CORPO COMO OBSTÁCULO AO CONHECIMENTO
A tradição ocidental quase sempre procurou explicar o ser humano como composto de duas partes fundamentalmente distintas e separadas: o corpo (material) e a alma (espiritual e consciente). O grego Platão (séc. V a.C.), por exemplo, é um dos maiores defensores desta realidade dupla e ensina que, quando a alma se une ao corpo, ela se degrada, por tornar-se prisioneira dele. Assim, sua teoria das ideias proclama o abandono do efêmero mundo sensível em prol do eterno, imutável e perfeito mundo inteligível.

O CORPO COMO RELICÁRIO DA ALMA – A SACRALIZAÇÃO DO CORPO
O senso comum se aproxima de um dos pontos mais decisivos para a sustentação do dualismo corpo-alma, também por parte dos pensadores cristãos: a crença na superioridade do espírito sobre as emoções e apetites da carne.
Não é acidental que esta convicção secular venha a adquirir o status de dogma pelo menos até o fim da Idade Média, sendo em grande medida adotada por filósofos religiosos como Santo Agostinho, entre outros. Partindo do princípio de que o corpo é a sede do pecado original - e, portanto, a fonte de toda a corrupção do homem -, seus desejos e prazeres devem ser firmemente repudiados, através de práticas ascéticas como o jejum, a abstinência e o autocontrole.

O CORPO VISTO COMO MÁQUINA – A DESSACRALIZAÇÃO DO CORPO
Entretanto, com o advento da era moderna (séc. XVI), tem início o movimento em direção à irreversível dessacralização do corpo. A partir de então, ele não é mais encarado como motivo de culpa, vergonha e expiação, mas, ao contrário, como alvo de admiração, cuidado e estudo. Finalmente emancipada da religião, a ciência leva a cabo seus primeiros experimentos de dissecção - os quais, se por um lado, trazem benefícios incalculáveis para o avanço da medicina, por outro, contribuem para que o corpo seja considerado em sua natureza física e biológica, exclusivamente. Tanto que resulta desta época a imagem utilitarista e mecanicista do ser humano como máquina - concepção, aliás, bastante controversa, exemplarmente ilustrada pela obra Frankenstein, de Mary Shelley.
O pensamento de RENÊ DESCARTES instaura a fragmentação da percepção corpórea: "Penso, logo existo". Esta modernidade perceberá duas "instâncias do corpo humano: "res extensa" (corpo e matéria) e "res cogitans" (coisa pensante). O que hoje entendemos como dualismo psico-físico norteará abordagens distanciadas da proposta Holística dos gregos". Há uma crescente fragmentação do ser, "dicotomizado" pelo racionalismo científico.


O CORPO COMO “SER-NO-MUNDO”, FACTÍVEL (INTERFACE COM O MUNDO)
Perspectiva positiva
Seja como for, é somente com a fenomenologia (séc. XIX e XX) que a dicotomia corpo-espírito começa a ser rompida, por meio da noção de facticidade. Isso quer dizer que o corpo não é mais nem entrave ao conhecimento, nem instrumento do mal e nem simples material à disposição, mas integra a totalidade do ser humano, como "ser-no-mundo". Ao estabelecer contato com outra pessoa, eu me revelo pelas manifestações corporais: gestos, olhares, atitudes etc. Por isso, o corpo é o primeiro momento da experiência humana, através do qual percebemos e somos percebidos como um "ser que vive e sente."

Perspectiva negativa
A despeito de ser nossa interface com o mundo, o corpo tem sido tratado apenas como mais uma mercadoria. E muito valorizada, por sinal. Em consequência, a indústria do sexo é uma das que mais se beneficiam desta nova realidade. Não é à toa que personalidades como Paris Hilton e Bruna Surfistinha fazem tanto sucesso. O que mostra que, até em uma cena de sexo, o corpo não é só um corpo.
A sociedade atual, principalmente a ocidental, vem através de uma lógica mercadológica, impor um padrão de corpo perfeito, desenvolvendo nas pessoas, hábitos e comportamentos que as levem a perseguirem uma "beleza física". Como relata Frei Betto:
"(...) a publicidade invade o universo psíquico que chega a inverter a relação pessoa-mercadoria. Esta, revestida de grife, passa a imprimir valor a seu consumidor/portador. (...) O produto passa a merecer mais valor que a pessoa, e esta se sente socialmente valorizada na medida em que ostenta a posse do produto. O consumo consome o consumidor." (BETTO, 2006)

NOÇÕES DE FACTICIDADE EM HEIDEGGER E SARTRE
Facticidade é a característica de ser um facto. É o nome que filósofos, como Heidegger e Sartre, dão àquele aspecto da existência humana que é definido pelas situações em que nos encontramos, o “facto” que somos forçados a confrontar. Um modo de ser, como um mero objeto de investigação desinteressada, separado de qualquer interesse prático ou pessoal. Tem a ver com as condições contingentes que não dependem das nossas escolhas.
A facticidade inclui todas aquelas minúcias factuais acerca das quais não se tem nenhum controlo. É o caso da data do nosso nascimento, os nossos pais, ou os limites do ser humano enquanto tal. Ou o caso de todos termos de morrer um dia. Para Heidegger e Sartre, a facticidade é muito importante, porque constitui a base necessária de todas as nossas ações. Apenas somos livres em situação. A nossa liberdade de ação, a nossa capacidade de transcender as nossas circunstâncias, sempre o foi contra um contexto de facticidade. Segundo Heidegger, é só na facticidade da sociedade, em termos de uma identidade e um sistema de valores, que nós próprios não escolhemos, que exercemos a “decisão” pessoal que define a nossa existência. [1]
staurou em torno da exposição dizia respeito às questões éticas envolvidas na obtenção e no tratamento dos corpos - provenientes da China -, bem como na suposta introdução de drogas e substâncias químicas antes mesmo de consumada a morte do indivíduo - o que representaria uma grave afronta aos direitos humanos. O exemplo singular nos convida a traçar uma breve história do corpo, desde os antigos gregos até os dias atuais, refletindo sobre a relação entre o físico e a consciência com base em fenômenos recentes.  

Nenhum comentário:

Postar um comentário