O Sagrado e o Profano
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| Exposição "Corpo Humano: Real e Fascinante" |
Há alguns anos a exposição "Corpo Humano: Real
e Fascinante" gerou curiosidade e polêmica no Brasil ao apresentar uma
série de corpos humanos dissecados, polimerizados e exibidos como "obra de
arte". Além do impressionante aspecto estético das peças expostas, os
organizadores do evento exaltavam seu caráter científico e até educativo.
Afinal, do ponto de vista fisiológico, a mostra era equivalente a uma
verdadeira aula de anatomia. Em todo caso, a controvérsia que se in Há alguns
anos a exposição "Corpo Humano: Real e Fascinante" gerou curiosidade
e polêmica no Brasil ao apresentar uma série de corpos humanos dissecados,
polimerizados e exibidos como "obra de arte". Além do impressionante
aspecto estético das peças expostas, os organizadores do evento exaltavam seu
caráter científico e até educativo. Afinal, do ponto de vista fisiológico, a
mostra era equivalente a uma verdadeira aula de anatomia. Em todo caso, a
controvérsia que se instaurou em torno da exposição dizia respeito às questões
éticas envolvidas na obtenção e no tratamento dos corpos - provenientes da
China -, bem como na suposta introdução de drogas e substâncias químicas antes
mesmo de consumada a morte do indivíduo - o que representaria uma grave afronta
aos direitos humanos. O exemplo singular nos convida a traçar uma breve
história do corpo, desde os antigos gregos até os dias atuais, refletindo sobre
a relação entre o físico e a consciência com base em fenômenos recentes como,
por exemplo, o da stripper Dita von Teese, tema da reportagem de
VEJA.
O CORPO COMO OBSTÁCULO AO CONHECIMENTO
A tradição ocidental quase sempre procurou explicar o ser humano como composto de duas partes fundamentalmente distintas e separadas: o corpo (material) e a alma (espiritual e consciente). O grego Platão (séc. V a.C.), por exemplo, é um dos maiores defensores desta realidade dupla e ensina que, quando a alma se une ao corpo, ela se degrada, por tornar-se prisioneira dele. Assim, sua teoria das ideias proclama o abandono do efêmero mundo sensível em prol do eterno, imutável e perfeito mundo inteligível.
O CORPO COMO RELICÁRIO DA ALMA – A SACRALIZAÇÃO DO CORPO
A tradição ocidental quase sempre procurou explicar o ser humano como composto de duas partes fundamentalmente distintas e separadas: o corpo (material) e a alma (espiritual e consciente). O grego Platão (séc. V a.C.), por exemplo, é um dos maiores defensores desta realidade dupla e ensina que, quando a alma se une ao corpo, ela se degrada, por tornar-se prisioneira dele. Assim, sua teoria das ideias proclama o abandono do efêmero mundo sensível em prol do eterno, imutável e perfeito mundo inteligível.
O CORPO COMO RELICÁRIO DA ALMA – A SACRALIZAÇÃO DO CORPO
O senso comum se aproxima de um dos pontos mais
decisivos para a sustentação do dualismo corpo-alma, também por parte dos
pensadores cristãos: a crença na superioridade do espírito sobre as emoções e
apetites da carne.
Não é acidental que esta convicção secular venha a adquirir o status de dogma pelo menos até o fim da Idade Média, sendo em grande medida adotada por filósofos religiosos como Santo Agostinho, entre outros. Partindo do princípio de que o corpo é a sede do pecado original - e, portanto, a fonte de toda a corrupção do homem -, seus desejos e prazeres devem ser firmemente repudiados, através de práticas ascéticas como o jejum, a abstinência e o autocontrole.
Não é acidental que esta convicção secular venha a adquirir o status de dogma pelo menos até o fim da Idade Média, sendo em grande medida adotada por filósofos religiosos como Santo Agostinho, entre outros. Partindo do princípio de que o corpo é a sede do pecado original - e, portanto, a fonte de toda a corrupção do homem -, seus desejos e prazeres devem ser firmemente repudiados, através de práticas ascéticas como o jejum, a abstinência e o autocontrole.
O CORPO VISTO COMO MÁQUINA – A DESSACRALIZAÇÃO DO CORPO
Entretanto, com o advento da era moderna (séc. XVI), tem início o movimento em direção à irreversível dessacralização do corpo. A partir de então, ele não é mais encarado como motivo de culpa, vergonha e expiação, mas, ao contrário, como alvo de admiração, cuidado e estudo. Finalmente emancipada da religião, a ciência leva a cabo seus primeiros experimentos de dissecção - os quais, se por um lado, trazem benefícios incalculáveis para o avanço da medicina, por outro, contribuem para que o corpo seja considerado em sua natureza física e biológica, exclusivamente. Tanto que resulta desta época a imagem utilitarista e mecanicista do ser humano como máquina - concepção, aliás, bastante controversa, exemplarmente ilustrada pela obra Frankenstein, de Mary Shelley.
Entretanto, com o advento da era moderna (séc. XVI), tem início o movimento em direção à irreversível dessacralização do corpo. A partir de então, ele não é mais encarado como motivo de culpa, vergonha e expiação, mas, ao contrário, como alvo de admiração, cuidado e estudo. Finalmente emancipada da religião, a ciência leva a cabo seus primeiros experimentos de dissecção - os quais, se por um lado, trazem benefícios incalculáveis para o avanço da medicina, por outro, contribuem para que o corpo seja considerado em sua natureza física e biológica, exclusivamente. Tanto que resulta desta época a imagem utilitarista e mecanicista do ser humano como máquina - concepção, aliás, bastante controversa, exemplarmente ilustrada pela obra Frankenstein, de Mary Shelley.
O
pensamento de RENÊ DESCARTES instaura a fragmentação da percepção corpórea:
"Penso, logo existo". Esta modernidade perceberá duas "instâncias
do corpo humano: "res extensa" (corpo e matéria) e "res
cogitans" (coisa pensante). O que hoje entendemos como dualismo
psico-físico norteará abordagens distanciadas da proposta Holística dos
gregos". Há uma crescente fragmentação do ser, "dicotomizado"
pelo racionalismo científico.
O CORPO COMO “SER-NO-MUNDO”, FACTÍVEL (INTERFACE COM O MUNDO)
Perspectiva positiva
Seja
como for, é somente com a fenomenologia (séc. XIX e XX) que a dicotomia
corpo-espírito começa a ser rompida, por meio da noção de facticidade. Isso quer dizer que o corpo não é mais nem
entrave ao conhecimento, nem instrumento do mal e nem simples material à
disposição, mas integra a totalidade do ser humano, como
"ser-no-mundo". Ao estabelecer contato com outra pessoa, eu me revelo
pelas manifestações corporais: gestos, olhares, atitudes etc. Por isso, o corpo
é o primeiro momento da experiência humana, através do qual percebemos e somos
percebidos como um "ser que vive e sente."
Perspectiva negativa
A despeito de ser nossa interface com o mundo, o
corpo tem sido tratado apenas como mais uma mercadoria. E muito valorizada, por
sinal. Em consequência, a indústria do sexo é uma das que mais se beneficiam
desta nova realidade. Não é à toa que personalidades como Paris Hilton e Bruna
Surfistinha fazem tanto sucesso. O que mostra que, até em uma cena de sexo, o
corpo não é só um corpo.
A
sociedade atual, principalmente a ocidental, vem através de uma lógica
mercadológica, impor um padrão de corpo perfeito, desenvolvendo nas pessoas,
hábitos e comportamentos que as levem a perseguirem uma "beleza
física". Como relata Frei Betto:
"(...)
a publicidade invade o universo psíquico que chega a inverter a relação
pessoa-mercadoria. Esta, revestida de grife, passa a imprimir valor a seu
consumidor/portador. (...) O produto passa a merecer mais valor que a pessoa, e
esta se sente socialmente valorizada na medida em que ostenta a posse do
produto. O consumo consome o consumidor." (BETTO, 2006)
NOÇÕES
DE FACTICIDADE EM HEIDEGGER E SARTRE
Facticidade é a característica de
ser um facto.
É o nome que filósofos, como Heidegger e Sartre, dão àquele aspecto da existência humana que é definido pelas situações
em que nos encontramos, o “facto” que somos forçados a confrontar. Um modo de ser, como um mero
objeto de investigação desinteressada, separado de qualquer interesse prático
ou pessoal. Tem a ver com as condições contingentes que não dependem das nossas escolhas.
A
facticidade inclui todas aquelas minúcias factuais acerca das quais não se tem nenhum controlo. É o caso da data do nosso
nascimento, os nossos pais, ou os limites do ser humano enquanto tal. Ou o caso
de todos termos de morrer um dia. Para Heidegger e Sartre, a facticidade é
muito importante, porque constitui a base necessária de todas as nossas ações. Apenas somos livres em situação. A
nossa liberdade de
ação, a nossa capacidade de transcender as nossas circunstâncias, sempre o foi
contra um contexto de facticidade. Segundo Heidegger, é só na facticidade da
sociedade, em termos de uma identidade e um sistema de valores,
que nós próprios não escolhemos, que exercemos a “decisão” pessoal que define a
nossa existência. [1]
staurou em torno da exposição dizia respeito às
questões éticas envolvidas na obtenção e no tratamento dos corpos -
provenientes da China -, bem como na suposta introdução de drogas e substâncias
químicas antes mesmo de consumada a morte do indivíduo - o que representaria
uma grave afronta aos direitos humanos. O exemplo singular nos convida a traçar
uma breve história do corpo, desde os antigos gregos até os dias atuais,
refletindo sobre a relação entre o físico e a consciência com base em fenômenos
recentes.

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