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| Ilustracão de Pawel Kuczynski |
Mulher é presa por tráfico de drogas e
envolvimento com prostituição. Esse tipo de notícia é, infelizmente, até
bastante comum em nosso País. Mas por que, então, nesse momento e uma mulher em
especial tem incomodado tanta gente? Explicar essa comoção de parte da
sociedade com o caso da “modelo” Flávia Tamayo é mexer em águas profundas e
lamacentas de nossa sociedade pós-moderna, mas vamos lá. Flávia foi presa em
julho, em um hotel no Espírito Santo, suspeita de fazer parte de uma
organização criminosa de garotas de programa de luxo que atuavam no tráfico de
drogas. Mas até aí ainda continua um caso corriqueiro que chega aos milhares
nas delegacias Brasil afora todos os dias, não fosse, e aí começa cair a
cortina, por um detalhe: garotas de programa “DE LUXO”. Esse “DE ‘LUXO” é que
faz toda a diferença. Flávia Tamayo foi, nada mais nada menos, que capa da
Playboy, umas das revistas, se não a revista, masculina mais aclamada em todo o
mundo. No Brasil, a norte-americana Playboy, distribuída pela Editora Abril até
há alguns anos, despiu e fotografou ícones de popularidade tupiniquim,
celebridades, socialites…que acabaram virando símbolos sexuais, objeto de
desejo de onze em cada dez compradores da revista. Entre as 451 capas brasileira
figuraram, por exemplo, Luma de Oliveira, Betty Faria, Luana Piovani, Vera
Fischer, Xuxa Meneguel…e a Flávia Tamayo. O que elas têm em comum? A Beleza
estonteante. O que elas não têm em comum? A maioria, claro não todas, das
mulheres capas da Playboy se deram bem na vida. Ou casaram bem, ou se tornaram
apresentadoras de TV com salários de seis dígitos, ou viraram empresárias e
vivem confortavelmente em algum paraíso tropical…mas a Flávia não. A Flávia foi
transferida do presídio de Cariacica, no Espírito Santo, para a Capital
Federal, onde recebeu habeas corpus e
passará a usar tornozeleira eletrônica até o fim do processo.
Ainda está lamacento? Pois bem. A questão aqui
é que a sociedade costuma julgar as pessoas pela aparência, pelo status social,
pelo cargo que ocupa. Aparência é tudo e nunca foi tão tudo quanto agora.
Quando se vê uma mulher bonita, linda, capa de revista, costuma-se agregar a
ela caráter, um caráter bom que pode não estar, necessariamente, com ela, fazer
parte dela. Beleza estética é beleza estética e só. Nasce-se com ela, ou, agora,
adquire-se, implanta-se. Já o caráter é outra coisa. Caráter, segundo alguns
dicionários, tem a ver com a caracterização do próprio sujeito, índole,
temperamento, personalidade, formação moral, características que podem ser boas
ou más, mas que distinguem uma pessoa, um povo…popularmente quando falamos de
caráter estamos nos referindo a características positivas, valores morais. Talvez
por isso que nas notícias vinculadas em mídia nacional o nome Flávia vem quase
sempre acompanhado de comentários do tipo “mulher que desperta desejos em
homens da alta sociedade” ou por insistentemente ser tratada como modelo,
assim, sem aspas. Teria isso corroborado para a concessão do habeas corpus diferentemente de tantas
outras de, digamos, menor valor estético, que são flagradas com porções de
droga nas genitálias tentando entrar nos presídios e por lá mesmo são
trancafiadas e esquecidas?
O caso Flávia Tamayo lembra muito outros dois
que tiveram grande repercussão pelo mesmo motivo, o da jovem Suzane von
Richthofen, aquela loirinha, linda, educada…que matou os pais. É como se a
sociedade se recusasse a aceitar que uma mulher branca, de olhos claros, cabelos
perfeitos, corpo curvilíneo…pudesse ser assassina. Também lembra o caso do
assassinato da Daniela Perez, filha da Gloria Perez, pelo moreno alto, bonito e
sensual Guilherme de Pádua. Ninguém queria acreditar que foi ele quem matou a
atriz…mas foi.
Em uma sociedade que está beirando o niilismo
ético, é como se as pessoas quisessem desesperadamente ver no “melhor” que a
sociedade pode produzir a boia salva vidas de valores perdidos onde possam se
agarrar para não se afogar no mar de degeneração moral. O problema é que
pessoas bonitas, com traços simétricos, brancas, altas, loiras, magras, com
olhos azuis ou verdes não são, obrigatoriamente, sinônimos de pudor,
honestidade, afabilidade, respeito, sinceridade, responsabilidade, lealdade…assim
como pessoas feias, com traços assimétricos, negras, baixas, cabelos encaracolados,
gordas, olhos castanhos não são sinônimos de despudor, desonestidade,
desrespeito, falsidade…tudo é estereótipo criado pela mesma sociedade que agora
luta para respirar em meio a uma poluição ética caótica criada por ela mesma.
Tão errado quanto, é pensar que o melhor da sociedade só pode estar nos
condomínios luxuosos, nos edifícios suntuosos, dirigindo carros caros, nas
universidades particulares, nos clubes privados…o melhor da sociedade pode
estar nas favelas, nas meias-águas, andando de bicicleta, nas escolas públicas,
nos piscinões…o melhor da sociedade pode estar em qualquer lugar ou em lugar
nenhum.
Resumindo, o incomodo causado pela prisão da
Flávia Tamayo não tem nada a ver com a Flávia Tamayo, mas com a sociedade que
esperava mais da Flávia Tamayo do que realmente Flávia Tamayo é. O problema é a
imagem positiva que a sociedade esperava da Flávia Tamayo como reflexo dela
mesma, ou do melhor que ela poderia ser, uma espécie de arquétipo do bem coletivo
projetado no individual para dar sentido ao coletivo. É o mesmo pré-julgamento
que a sociedade faz das minorias, do negro, do pobre, do gay, do refugiado, do deficiente…só
que ao contrário, uma espécie de discriminação às avessas. A justiça da
sociedade pós-moderna não é cega, pelo contrário, enxerga demais, vê o que não
existe, traz consigo um pré-conceito de um cidadão perfeito e nele a beleza
estética além de moldada na argila dos dez por cento mais privilegiados da
população com todos os seus traços étnicos e culturais ainda é um sujeito politicamente
correto.
E quem é realmente a bela Flávia Tamayo
nessas alturas do campeonato? Bom se quiser conhece-la de verdade não é nas
páginas coloridas de papel brilhante e caro assinadas por J.R. Duran, mas em
sites especializados em pornografia com a sugestiva alcunha de Pâmela Pantera.
Por Cristian Menezes - 9/2020

