quinta-feira, abril 30

Relação/relacionamento: para além da etimologia

                                                                                 Foto: site leiaja.com

Quando pesquisamos as palavras relação e relacionamento os dicionários são unânimes em afirmar que são sinônimos, ambas pertencem à classe gramatical de substantivos, com a diferença que relação é uma palavra feminina e relacionamento é masculina, ponto.
Porém, como em sociedade nem tudo, ou quase nada, é tão relativo assim e parte da construção linguística, da significação dos símbolos são dadas não só pela práxis, mas também pelo retorno emocional (feeling) desses símbolos, pode-se, e deve-se, debater conceitos metalinguísticos sobre essas, e quaisquer outras, palavras que, notadamente, embora sinônimos, temos preferência em empregá-las em determinadas circunstâncias às outras.
Para além do léxico, relação e relacionamento, portanto, teriam uma diferença de grau de proximidade, de envolvimento, de troca. Outra diferença, relacionada ao grau de proximidade, que poderia ser marcada é a questão do livre arbítrio, ou seja, quem está em uma relação pode estar por livre e espontânea vontade ou não, pode ter, simplesmente, ido parar dentro, junto…por mero acaso. Já quem está em um relacionamento está por escolha própria, está dentro, junto…porque assim o quis, mesmo que, amiúde, não tenha total consciência dessa escolha (mas isso fica para Freud explicar).
Que as duas palavras estão intrinsecamente ligadas, isso não se pode negar. Tanto, que uma pode se transformar, transmutar na outra. Podem estar, desafiando leis básicas da física, ocupando o mesmo lugar ao mesmo tempo, ou seja, as pessoas podem estar em uma relação e um relacionamento ao mesmo tempo, sabendo disso ou não. Outra possibilidade um pouco mais polêmica é que entre duas pessoas, uma pode jurar de pés juntos estar em um relacionamento enquanto o outro pode pensar estar apenas em uma relação. Isso mesmo, você leu a palavras “apenas” precedendo a palavra “relação”, pois como já foi dito antes, existe uma diferença, uma sútil (às vezes nem tanto) diferença entre relação e relacionamento quando referimo-nos à proximidade, digamos, de almas, não necessariamente de corpos. E nessa hierarquização linguística relação é inferior a relacionamento, ainda que preferível e até necessária em muitas ocasiões.
Como exemplo, podemos falar sobre a condição humana em local de trabalho. Pessoas, circunstancialmente, acabam virando colegas de trabalho por determinado período de tempo. Se tivéssemos, e pudéssemos, que escolher uma das duas palavras para designar essa convivência em trabalho, a maioria escolheria a palavra “relação”, talvez pela capacidade que ela tem de marcar um grau de envolvimento (de almas) mínimo, básico, requerido, pré-estabelecido, um distanciamento do emocional. Já quando o assunto é uma convivência amorosa, conjugal é quase que unânime a preferência pela palavra “relacionamento”. Parece até que por si só já tem o peso da intimidade. Na etimologia, “relacionamento” vem da raiz em latim relatus, forma do verbo refero, que quer dizer trazer de volta. Em livre associação, dar e receber, troca.
Em uma relação, digamos fordiana, essa troca é limitada, quase nula quando o que se exige é apenas “sua parte bem feita”. Em um relacionamento, só fazer sua parte quase sempre é insuficiente, enquanto o contrário, sim, é um pré-requisito sine qua non para seu sucesso. Relacionamento requer que cada um faça sua parte e a parte do outro um pouquinho, pense em si e no outro, queira por si e pelo outro, aprenda e ensine…é troca constante. E, claro, o relacionamento deixa de funcionar quando um vive uma relação e o outro está atolado até o pescoço em um relacionamento, a balança da responsabilidade pende mais para um dos lados, desequilíbrio insustentável. Uma relação pode se transmutar em relacionamento quando esta extrapola os muros por ela mesma construída, seja por pactuação, moralidade ou necessidade corporativa. Um relacionamento (amoroso) pode voltar a ser uma relação (de amizade, de trabalho), desde que na reconstrução dos muros não se tenha perdido a confiança e principalmente o respeito mútuo.

Por Cristian Menezes – Abril/2020

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