Ultimamente tenho refletido
muito sobre isso: fidelidade X lealdade. Penso que nesse caos em que se tornou
nossos relacionamentos, nossos valores e até nosso discernimento sobre tudo e
todos parece ser importante saber a diferença entre uma coisa e outra. Vejo que
com a chegada das ditas redes sociais muitos relacionamentos estão se perdendo
e não raras vezes a culpa vai para a infidelidade. Embora se confundam,
lealdade não é a mesma coisa que fidelidade. A saber, há pelo menos quatro
possibilidades: pode-se ser fiel e leal; fiel e desleal, infiel e desleal; só o
que não se pode ser é infiel e leal ao mesmo tempo, pelo menos não dentro de
uma concepção, digamos, convencional, ortodoxa, o que explicarei melhor na
sequência.
Explicando
De forma simples e direta,
ser fiel é não enganar o parceiro ou parceira sexualmente ou emocionalmente. É,
portanto, uma regra, um preceito que se escolhe cumprir ou não, consciente, é
claro, de suas consequências. Já lealdade é algo mais profundo que fidelidade,
tem a ver com valores, elevação ético-moral e até sacrifício e sublimação.
Fidelidade é sinônimo de paixão, desejo. Já lealdade é amor, dádiva, entrega.
Fidelidade é físico, lealdade é metafísico, ou, para falar a linguagem de hoje,
“fidelidade é conexão com fio…lealdade é conexão wifi”, como li em um site.
Exemplificando
Na prática isso tudo fica um
pouco complicado, mas vamos lá. Se a pessoa é fiel por tabela ela é leal, é o
Santo Graal dos relacionamentos bem-sucedidos. A pessoa leal deve ser fiel por
convicção. Se não o for ou deixar de ser põe a lealdade em xeque (mate); fiel e desleal, bom, aqui tenho que
apelar para um jargão muito utilizado, mas, ao meu ver, também muito errado: “A
ocasião faz o ladrão”. Não, quem rouba, rouba porque é ladrão e pronto. “A
ocasião REVELA o ladrão”, aí sim, ficaria correto. Honestidade é uma convicção
ética, um valor. Assim como a lealdade. Se a pessoa é fiel e desleal, significa
que é fiel por medo, por comodidade ou mesmo por falta de oportunidade. O
problema é que o fiel e desleal uma hora pode se REVELAR infiel; Infiel e desleal é o básico, feijão com
arroz dos relacionamentos malsucedidos, pois quando se chega a ser infiel, a
lealdade já deixou de existir ou talvez ainda não tenha nem nascido, tem muito
disso em início de relacionamento; infiel
e leal, como diria um amigo meu, “é uma incongruência filosófica”, pois se
ser leal é um valor ético, jamais combinará com a infidelidade, que é, a grosso
modo, um vício moral. Infidelidade não faz parte do vocabulário de uma pessoa
leal à outra, já que ser leal, entre outras coisas, é cuidar, valorizar,
incentivar, respeitar (no sentido de pensar o outro antes de agir).
Aqui, agora, cabe uma
observação: lealdade e infidelidade só é possível se ser infiel for uma condição
da lealdade para a outra pessoa. Complicou não é? Então…fora do convencional,
infidelidade e lealdade pode ser possível em relacionamentos ditos abertos, do
tipo ninguém é de ninguém, ou em casais que praticam o swing (troca de casais),
ou mesmo pessoas que se satisfazem, e às vezes só se satisfazem, vendo o
parceiro ou parceira tendo relações com outro(a) ou outros(as). Percebam que
nestes casos a infidelidade não só foi admitida como exigida, porém, não
significa que qualquer pessoa possa ser leal a esse ponto, pois se lealdade é
um valor, o é individualmente e somente a própria pessoa sabe quais seus
limites. Outro exemplo clássico, mas talvez se torne polêmico sendo abordado
por esse prisma, é a questão entre Cristo e Judas. Penso que quando Jesus, na
Santa Ceia, disse “Com toda certeza vos afirmo que um dentre vós me trairá” (Matheus
26), quis tão somente reforçar “vai lá Judas e faz o que tens que fazer, pois é
o que eu quero que faças”, tanto, que, em João 13:18 Ele justifica “mas é
necessário que isso ocorra para que se cumpra a Escritura: ‘Aquele que
partilhava do meu pão levantou-se contra mim’”. De todos os apóstolos, só Judas
conseguiu ser tão leal ao Mestre a ponto de lhe ser infiel, mesmo tendo sido
corroído depois pelo limite de sua própria lealdade.
Concluindo
Dito isto, vejo pessoas
muito preocupadas com a infidelidade, quando, na verdade, o problema mesmo está
na deslealdade. Infidelidade causa dor, porque está associada ao sentimento de
posse, mas a deslealdade destrói nossos sonhos de amor verdadeiro. A
infidelidade assusta, mas a deslealdade imprime em nossas almas o medo e a
desconfiança. A infidelidade nos deixa irados, com raiva do outro; mas a
deslealdade nos entristece profundamente e nos faz perder o respeito por si e pelo
outro. A infidelidade se resolve pondo fim no relacionamento, já a deslealdade
sobrevive ao fim do relacionamento e vira uma marca deletéria em nossos
corações. E é justamente aí onde tudo se perde. Não existe relacionamento que
resista à deslealdade, à desconfiança e à perda do respeito.
Por Cristian Menezes em 9/2018

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