terça-feira, novembro 13

Ensaio: sobre fidelidade e lealdade



Ultimamente tenho refletido muito sobre isso: fidelidade X lealdade. Penso que nesse caos em que se tornou nossos relacionamentos, nossos valores e até nosso discernimento sobre tudo e todos parece ser importante saber a diferença entre uma coisa e outra. Vejo que com a chegada das ditas redes sociais muitos relacionamentos estão se perdendo e não raras vezes a culpa vai para a infidelidade. Embora se confundam, lealdade não é a mesma coisa que fidelidade. A saber, há pelo menos quatro possibilidades: pode-se ser fiel e leal; fiel e desleal, infiel e desleal; só o que não se pode ser é infiel e leal ao mesmo tempo, pelo menos não dentro de uma concepção, digamos, convencional, ortodoxa, o que explicarei melhor na sequência.

Explicando
De forma simples e direta, ser fiel é não enganar o parceiro ou parceira sexualmente ou emocionalmente. É, portanto, uma regra, um preceito que se escolhe cumprir ou não, consciente, é claro, de suas consequências. Já lealdade é algo mais profundo que fidelidade, tem a ver com valores, elevação ético-moral e até sacrifício e sublimação. Fidelidade é sinônimo de paixão, desejo. Já lealdade é amor, dádiva, entrega. Fidelidade é físico, lealdade é metafísico, ou, para falar a linguagem de hoje, “fidelidade é conexão com fio…lealdade é conexão wifi”, como li em um site.

Exemplificando
Na prática isso tudo fica um pouco complicado, mas vamos lá. Se a pessoa é fiel por tabela ela é leal, é o Santo Graal dos relacionamentos bem-sucedidos. A pessoa leal deve ser fiel por convicção. Se não o for ou deixar de ser põe a lealdade em xeque (mate); fiel e desleal, bom, aqui tenho que apelar para um jargão muito utilizado, mas, ao meu ver, também muito errado: “A ocasião faz o ladrão”. Não, quem rouba, rouba porque é ladrão e pronto. “A ocasião REVELA o ladrão”, aí sim, ficaria correto. Honestidade é uma convicção ética, um valor. Assim como a lealdade. Se a pessoa é fiel e desleal, significa que é fiel por medo, por comodidade ou mesmo por falta de oportunidade. O problema é que o fiel e desleal uma hora pode se REVELAR infiel; Infiel e desleal é o básico, feijão com arroz dos relacionamentos malsucedidos, pois quando se chega a ser infiel, a lealdade já deixou de existir ou talvez ainda não tenha nem nascido, tem muito disso em início de relacionamento; infiel e leal, como diria um amigo meu, “é uma incongruência filosófica”, pois se ser leal é um valor ético, jamais combinará com a infidelidade, que é, a grosso modo, um vício moral. Infidelidade não faz parte do vocabulário de uma pessoa leal à outra, já que ser leal, entre outras coisas, é cuidar, valorizar, incentivar, respeitar (no sentido de pensar o outro antes de agir).
Aqui, agora, cabe uma observação: lealdade e infidelidade só é possível se ser infiel for uma condição da lealdade para a outra pessoa. Complicou não é? Então…fora do convencional, infidelidade e lealdade pode ser possível em relacionamentos ditos abertos, do tipo ninguém é de ninguém, ou em casais que praticam o swing (troca de casais), ou mesmo pessoas que se satisfazem, e às vezes só se satisfazem, vendo o parceiro ou parceira tendo relações com outro(a) ou outros(as). Percebam que nestes casos a infidelidade não só foi admitida como exigida, porém, não significa que qualquer pessoa possa ser leal a esse ponto, pois se lealdade é um valor, o é individualmente e somente a própria pessoa sabe quais seus limites. Outro exemplo clássico, mas talvez se torne polêmico sendo abordado por esse prisma, é a questão entre Cristo e Judas. Penso que quando Jesus, na Santa Ceia, disse “Com toda certeza vos afirmo que um dentre vós me trairá” (Matheus 26), quis tão somente reforçar “vai lá Judas e faz o que tens que fazer, pois é o que eu quero que faças”, tanto, que, em João 13:18 Ele justifica “mas é necessário que isso ocorra para que se cumpra a Escritura: ‘Aquele que partilhava do meu pão levantou-se contra mim’”. De todos os apóstolos, só Judas conseguiu ser tão leal ao Mestre a ponto de lhe ser infiel, mesmo tendo sido corroído depois pelo limite de sua própria lealdade.

Concluindo
Dito isto, vejo pessoas muito preocupadas com a infidelidade, quando, na verdade, o problema mesmo está na deslealdade. Infidelidade causa dor, porque está associada ao sentimento de posse, mas a deslealdade destrói nossos sonhos de amor verdadeiro. A infidelidade assusta, mas a deslealdade imprime em nossas almas o medo e a desconfiança. A infidelidade nos deixa irados, com raiva do outro; mas a deslealdade nos entristece profundamente e nos faz perder o respeito por si e pelo outro. A infidelidade se resolve pondo fim no relacionamento, já a deslealdade sobrevive ao fim do relacionamento e vira uma marca deletéria em nossos corações. E é justamente aí onde tudo se perde. Não existe relacionamento que resista à deslealdade, à desconfiança e à perda do respeito.

Por Cristian Menezes em 9/2018

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