Que
o mundo está ferrado, não é nenhuma novidade. Que não sou a cura, também não.
Mas quero contribuir para tentar melhorá-lo ficando o mais distante dele
possível. Não quero me enquadrar, me adaptar, me moldar ao mundo como ele está.
Quero tentar ser melhor do que ele força-nos a ser.
Quero
ser sincero, mesmo que falsidade seja quase uma reverência, um cumprimento
obrigatório, uma etiqueta.
Quero
continuar a acreditar nas pessoas, mesmo que a incredulidade faça parte de toda
roda de conversa, como o futebol e a política.
Quero
ser fiel, mas não como um cão, que o é por causa da comida, porque foi ensinado
a ser.
Quero ser verdadeiro, mas sem a presunção de achar que toda verdade pode ou deve ser dita.
Quero
ser amigo e não só colega, “parça” de alguém ou um contato nas redes sociais.
Quero
poder ser solicito sem sequer pensar em pedir algo em troca. Quero poder pedir
algo quando necessário sem ter que virar refém de quem me ajudar.
Quero ser do bem, sem, contudo, abandonar de vez a maldade que habita em mim, preciso dela, sob controle, para sobreviver.
Quero
falar bem da minha família, mesmo sabendo não ser a mais perfeita do mundo,
mas, afinal, qual é?
Quero
estar no fundo da sala em silêncio, no escuro, junto com outros, com um lança
confetes na mão para, ao acender das luzes, explodir em alegria pela passagem
de ano de uma pessoa especial. Quero, ao acender as luzes da minha sala, ser
surpreendido por pessoas que me querem bem cantando desafinados o ‘parabéns pra
você!’ e que realmente essa data seja querida.
Quero
usar branco na festa de Ano Novo e preto em velórios...ou vice-versa.
Quero
poder falar o que penso sobre qualquer coisa sem ofender ninguém. Levantar bandeiras, empunhar faixas, içar
velas…sem que isso seja visto como um chamamento à guerra, uma afronta à paz.
Quero
poder ir sem deixar ninguém triste pela partida, voltar sem que ninguém fique
ansioso por achar que mudei.
Quero
poder ter o privilégio de ser mais do mesmo e a mesma coisa, sem o stress de
ter que me reinventar a cada encontro, a cada festa, a cada olá, a cada olhar.
Quero
poder usar minha camiseta da sorte, minha calça surrada, meu All Star sem cor
definida, minha cueca furada…vestir-me para mim, para meu conforto.
Quero
ser livre e poder compartilhar minha liberdade com alguém. Quero ser
comprometido e que se comprometam comigo.
Quero
ser honesto, devolver a carteira perdida e que isso seja considerada uma
atitude cotidiana, não pauta de telejornais.
Quero
poder ter o dom de perdoar quem não me quer bem, porque perdoar quem nos quer bem é
fácil.
Quero
poder dizer que me importo com o sofrimento alheio para mim mesmo, sozinho,
antes de dormir.
Quero
ficar triste sem cair em depressão, chorar sem parecer desesperado, gritar sem
parecer louco.
Quero
poder ter exatamente a idade que tenho, sem querer parecer mais jovem para
conquistar alguém ou mais velho para dar conselhos a quem não pede.
Quero
poder nadar pelado em um rio, andar nu em minha casa, tirar caquinha do nariz
sem me preocupar se estou sendo filmado por uma câmera de segurança ou um drone.
Quero
poder xingar quando sentir raiva, sem ser acusado de discriminação ou racismo.
Quero poder dar risada do tiozinho que se estatelou no chão porque estava andando olhando para o celular, sem me sentir politicamente incorreto.
Quero
comer, beber, fumar, fumar, beber, comer…assim mesmo, desse jeitinho, sem
limite ou ordem, e sem julgamento.
Quero jogar meu lixo todo misturado; quero tomar Coca-Cola com canudinho de plástico, daqueles branquinhos com listas vermelhas e uma sanfoninha na ponta para dobrar; quero comer carne vermelha, branca, rosada...sem me sentir culpado pelas gerações futuras.
Quero comer doce de abóbora em forma de coração, doce-de-leite na casquinha de sorvete e pão com feijão.
Quero
ser preocupado com o mundo sim, mas sem ser piegas.
Quero
poder bater no peito e dizer que sou “O Cara”, sem falsa modéstia, simplesmente
porque me sinto assim, me sinto bom em alguma coisa, qualquer coisa.
Quero ser cremado, e não enterrado, odeio terra, não sou batata.
Quero
receber amigas em minha casa sem segundas intenções, somente pelo prazer do
drinque, da boa música e da conversa fiada. Quero cumprimentar meus melhores
amigos com um beijo no rosto como faço com as amigas, sem que digam que sou
gay, até porque, se fosse beijaria na boca.
Quero
passar a mão na bunda da minha namorada em público e que isso não pareça
vulgar. E por falar em vulgaridade, quero ser vulgar sem deixar de ser
sofisticado e ser sofisticado sem deixar de ser vulgar.
Por
fim, mas não menos importante, quero fazer amor e não só sexo. Quero ir pra
cama com uma pessoa especial e ficar lá, na cama, até amanhecer o dia. Quero
dormir de conchinha sim, por que não? Quero acordar e ser acordado com um beijo
suave. Quero levar café na cama, mandar flores, escrever poesias, enviar
corações pulsando pelo celular…e se isso for considerado brega demais para o mundo “moderno”, que se dane o mundo, é assim que quero viver a minha vida.
Por Cristian Menezes - 8/2020
