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| Imagem retirada do site: linguagemgeografica.blogspot.com |
A
priori, o título deste artigo seria “Educação
sem Fingimento em Tempos de Pandemia”. Porém, para os mais desavisados poderia
soar como uma panfletagem ao que tem sido denominado por muitos como “educação
online” ou “educação digital”. Longe de nossa intenção.
Na
década de 1990 um até então desconhecido professor, Hamilton Werneck, escreveu
um livro cujo título chamou mais a atenção do que propriamente seu conteúdo: Se
você finge que ensina, eu finjo que aprendo. O título do livro é o que chamamos
aqui de paradoxo Werneckiano. Ressalvas à parte, e são muitas, a tal prática
educacional alarmada por Werneck, que tirou o sono de muitos educadores, teria,
teoricamente, perdurado até os primeiros meses deste ano, exatamente quando
teve início o isolamento social proposto pelas autoridades de Estado, que
suspendeu as aulas em todo o País, inclusive na iniciativa privada. Pois bem,
os sucessivos decretos saíram dos fornos federais, estaduais e municipais,
estritamente nessa ordem, em intervalos de 15 dias na aposta de que, como tem
dito o Presidente brasileiro, a “gripezinha” passaria logo e tudo voltaria ao
normal. Não passou e não voltou e ainda não se tem data certa para acontecer e
mesmo que venha a acontecer nada garante que permaneça.
Na
educação, depois dos primeiros decretos e temendo-se pôr em risco o Ano Letivo
2020 pela falta de tempo hábil para cumprir com o preconizado pelo Ministério
da Educação de 200 dias ou 800 horas letivos, pipocaram iniciativas, primeiro
isoladas, depois coletivas de se “fazer alguma coisa para salvar o ano (Letivo)”.
E aí que o que já era ruim piorou de vez. Professores, supervisores, diretores despreparados,
muitos analfabetos digitais mesmo, passaram a arriscar navegar por águas nunca
dantes navegadas. Atividades começaram a ser disparadas aleatoriamente via
Whatsapp e plataformas de multinacionais, criadas mais para lucrar e menos para
educar. Do outro lado do visor, crianças e jovens vendo pela primeira vez na
vida que o “Zap”, como eles apelidaram, poderia servir para algo mais que
mandar e receber emojis, replicar fake news e, claaaarrrroooo, paquerar e
marcar “sociais” de “teris” e/ou “nargue”. O que ninguém fala, em prol de “salvar
o ano”, é que além de perdidos tem muita gente ficando de fora.
Quando
buscamos as estatísticas das prestadoras de serviço de internet, elas contabilizam
quase 80% do Brasil como estando online. Para eles, o simples fato de a pessoa
ter um celular pré-pago com crédito em pacote para usar o Zap e algumas redes sociais já
é o suficiente para contar como online. Para se fazer educação isso não basta. De
nada adianta professores enviarem links com atividades pelo Zap, se do outro lado,
o aluno não conseguir fazer o download da atividade que foi enviada com
extensão .Doc ou .PDF, por exemplo. Muitos, ou a maioria, não sabe sequer “que
bicho é esse” e para os poucos que sabem, não fazem ideia de que precisa fazer
o download de um APP para poder abrir os arquivos. O mesmo para os links de
vídeos disponibilizados em plataformas pseudoeducacionais. Ora, a “internet” da
maioria dos alunos só serve para o Zap mesmo. Se tentar “abrir” um videozinho
qualquer de 2, 3 minutos lá se foi a internet do mês todo criando outro dilema
para o jovem: “abrir” um vídeo para estudar e perder o Zap pro resto do mês ou simplesmente
ignorar a vídeo-aula e partir para o “minha mãe mandou bater” nas respostas das
atividades, mas manter o crush ligadinho e a pontuação/fase no Free Fire? Alguém
tem dúvida de qual será a escolha deles?
E
isso estamos falando apenas dos alunos que têm celular e têm essa “internetizinha
de Zap”. E aqueles que sequer têm celular e precisam dividir com os pais para
ver as atividades quando eles chegam do trabalho? E aqueles que precisam sair
pelas ruas com o celular apontando para o alto ou prostrarem-se como postes ao
lado de algum comércio para “roubar” internet? E aqueles que precisam dividir
um cubículo com um amontoado de gente, como é que consegue concentração para
estudar? E por falar em concentração, como é que se concentra em alguma
atividade no celular tendo que teclar de minuto a minuto com os colegas de Zap
e atualizar a timeline do Face ao mesmo tempo?
Ficou
claro para você leitor, a derrocada do paradoxo werneckiano? O alargamento/aprofundamento
do famigerado abismo social na educação brasileira ou pelo menos sua exposição
nua e crua? Para os 10% mais abastados da população é só sentar no quarto em
frente ao PC ou laptop, fechar a porta, fazer as atividades em uma internet a
cabo de fibra óptica e imprimir na impressora a laser e pronto, “tá de boa!”.
Mas e o resto da população que até mal alimentada está pela falta da merenda? Nessa
situação, se não tem como o professor, atado ao sistema que além de desarmá-lo
das ferramentas básicas para a disciplina em sala de aula e praticamente obrigá-lo
a promover o aluno faça ele alguma coisa ou não, fingir que ensina, também não
tem como o aluno, vítima do mesmo sistema, fingir que aprende. Fim do dilema.
Por Cristian Menezes - 04/20
