Nem os professores, nem os alunos: o sistema
Quando se pensa em apontar
culpados pelo caos que aflige a educação brasileira sempre se ouve frases
prontas do tipo: “a culpa não é dos professores, que ganham mal, dão o sangue
em salas superlotadas...” ou “a culpa não é dos alunos, que sequer sabem para
quê serve ir às aulas todos dos dias...” ou ainda “a culpa de tudo isso é do
sistema, que ganha com a ignorância, afinal, povo burro é povo fácil de
enganar...”. “Mas afinal quem é esse tal de Sistema para mim poder ir lá e falar umas verdades para ele?!”, diria o mais
desavisado.
Pois é, também defendo,
veementemente, que o problema da educação no Brasil não está no professor, não
está no aluno, não está na instituição escola, mas sim no sistema, e, para
satisfazer a curiosidade de quem procura o tal “Sistema”, descortiná-lo-emos.
Grosso modo, o sistema é tudo
que sustenta e é sustentado pelo tipo de política econômica vigente, o tipo de
regime impregnado no nosso dia-a-dia, na nossa cultura e até no nosso jeito de
ser. O sistema não é quem, mas o quê, como, quando e onde. Está em tudo, mas
não pode ser visto a olho nu.
A melhor forma de identificar “quem”
no sistema, é acompanhar o que se desencadeia a partir e com ele e chegar àquele
que ganha, que lucra, que se locupleta com o sistema. Se existe uma pessoa
física (ou jurídica) culpada pelo sistema é esse o CPF (ou o CNPJ) dele.
Já pensou, por exemplo, o que
seria do proprietário de uma rede de postos de combustíveis multimilionário se
os adolescentes que trabalham de frentistas - os “linha de frente” contra os
assaltantes e que ainda têm os produtos dos roubos aparecendo em seus holerites
como adiantamentos -, se estes aprendessem tudo que é transmitido pelos professores em sala de aula, se fossem além e ainda pesquisassem por conta
própria sobre outros assuntos, se lessem livros, se chegassem a uma
universidade de boa qualidade, se fizessem uma pós-graduação, um mestrado, um
doutorado...e se esses jovens perceberem que eles não precisam,
necessariamente, ser frentistas, mas que podem chegar a ser o gerente do posto,
o dono do posto, o dono da rede de postos, o proprietário da refinaria de
petróleo...será que eles ainda assim iriam se prontificar a ficar segurando uma
bomba de combustível, passando rodo no chão e jogando água no para-brisa de
carro? Não. E sabe o que aconteceria se todos agissem da mesma forma, se
erguessem a cabeça e começassem a não aceitar serem menosprezados,
subvalorizados, idiotizados? O sistema quebraria.
Seguindo o caminho inverso, se
o jovem se resigna com sua “condição”, pior, se chega a se sentir feliz em ser
frentista, em estar empregado “no País do desemprego”, porque “todo trabalho é
digno”, é aquele que não chega no horário na escola porque “larga” o serviço
tarde, não presta atenção na aula porque está muito cansado, não participa das
atividades, não faz tarefa, não lê...enfim, o aluno “dá nada”, este desmotiva o
professor, desestrutura a escola, força uma falsa política educacional que
coleciona números para sustentar o status
quo no cenário econômico mundial, mas vira chacota para gringo na Copa do
Mundo empunhando cartazes do tipo “Vamu pro équiça”.
Com aluno e professor
desmotivados, a gestão da escola entra em crise. A escola vira um gueto, onde
marginais se misturam às pessoas de bem, há comércio de drogas, prostituição e
vandalismo da coisa pública. Uma escola-gueto hoje, duas amanhã...e a
sociedade, em um médio espaço de tempo, está toda comprometida. Alunos de baixo
rendimento tendem a ser profissionais medíocres, adultos irresponsáveis, pais
de filhos de baixo rendimento...é um ciclo vicioso que fortalece o sistema.
Por que fortalece o sistema?
Porque sociedade problemática gera esperança, palavrinha, aliás, odiosa, que
significa um monte de gente esperando que alguém faça algo por ela que não
pode, ou não quer fazer por si. Surgem os políticos com a “cura”. E quem
sustenta o político e suas campanhas milionárias? Os donos dos postos de
combustíveis, ou seja, o sistema.
O resultado desse esquema
doentio não é só a violência, a pobreza, a fome, a doença...tem coisa pior. O
mais cruel no sistema é que ele tira do homem, do jovem, da criança a
capacidade de sonhar.
Os adultos de hoje não têm
grandes sonhos, não pensam em descobrir novos mundos, salvar o planeta,
construir uma máquina do tempo para voltar ao passado e fazer melhor...nossos
heróis não voam, não têm superpoderes, não vestem capa vermelha por debaixo do
terno, aliás, sequer usam ternos...são trabalhadores, empregados, frentistas...o
sonho não passa do portão da cerca branca, com uma casinha azul no meio e
cravos ao redor para o totó “regá-las”. Se a noção de sucesso é pífia, o
sinônimo de felicidade para quem sonha pequeno só pode ser ínfimo: contar os
dias da semana à espera do sábado para tomar umas “brejas” com os amigos,
“queimar uma carninha” e mentir um pouco “pra aliviar o stress”.
Os filhos, por natureza, não
sonham muito mais alto que os pais, já que o sonho possível de todo jovem é ser
o que os pais são ou ser melhores do que os pais foram. Só que melhor do que um
pouco é só pouco mais que pouco.
“No porão de todo empresário,
funcionário público de carrreira...cujo filho sonha ser roqueiro e viajar o
mundo com uma banda, tem sempre uma guitarra empoeirada”, disse um psicólogo. E
agora pergunto: e nós, o que temos no nosso porão da vida para inspirar nossos
filhos?
Ah! Só uma ressalva. Nada contra frentistas, apenas lembrar que nos países ditos civilizados é uma profissão extinta há muito tempo. Nos países subdesenvolvidos resiste como um símbolo de poder, subserviência e autopreservação, afinal, quem arrisca abastecer o Corolla em um posto de combustível na Zona Leste do Rio de Janeiro depois das 10? O dono do posto é que não é.
Ah! Só uma ressalva. Nada contra frentistas, apenas lembrar que nos países ditos civilizados é uma profissão extinta há muito tempo. Nos países subdesenvolvidos resiste como um símbolo de poder, subserviência e autopreservação, afinal, quem arrisca abastecer o Corolla em um posto de combustível na Zona Leste do Rio de Janeiro depois das 10? O dono do posto é que não é.
